28/01/2014

OS MANÉS

Na onda de saudade que me pegou, lembrei que, há uns meses, precisei  ir à Floripa resolver uns problemas. Como sobrou tempo, fui ao Dias Velho trocar a pilha do meu relógio, passei na esquina da Tenente Silveira  com a Deodoro e comi um “coquinho”, peguei um Expresso e fui até a UFSC.

Dentro do ônibus ri sozinha. De prazer e saudades.
Não é nenhum roteiro turístico. Só um Mané pode entender.
Só um Mané sabe que se compra espuma no Busch[1]. Que se come pastel no Keco[2]. Que o melhor pirão é o de nylon[3]. Que as tainhas chegam com o frio[4]. Que arca caída se cura com reza. Que o vento sul demora três dias pra ir embora e que ninguém agüenta uma lestada na praia[6].
Só um Mané dobra os joelhos, com devoção, diante da bandeira vermelha do Divino[7] e segue, com fé, a imagem – assustadora – de Nosso Senhor dos Passos[8].
Só um Mané torce pro Avaí  e pro Figueira e, entende porque torcer pros times do Rio faz mais sentido do que torcer pra um time  catarinense ou gaúcho[9].
Só um Mané cresce vendo o Boi de Mamão[10]. Festeja quando o Boi “revive” pelas mãos da benzedeira, tem medo da Bernunça –  que come pão, come bolacha, come tudo que eles dão – puxa o vestido da Maricota e canta “é cabra, é cabra”.
Só um Mané entende o seu “dialeto”. Sabe o que significa ônodi[11], quebrar as isquerda[12],  arrombassi Laila[13] e istepô[14].
Os Manés não se levam a sério. Tem um humor auto depreciativo e estão sempre fazendo piada de tudo. Lembram do Guga? Querem tempo pra ir à praia ou, pra pescar. Admiram e criticam a sua cidade, na mesma proporção.
Os  Manés não são perfeitos, mas são fáceis de amar. Se você não os ama é porque não os conhece o suficiente.
Eu sou louca por eles. Sou suspeita, tenho três exemplares em casa!
Beijo pra vocês e viva a manezada!!!

[1] A Casa Busch vende aviamentos no Centro de Florianópolis desde 1880;
[2] Não sei há quanto tempo existe, mas comer um pastel e tomar uma laranjinha no Keco é uma das nossas mais “valiosas” tradições;
[3] Pirão de nylon é o que mistura água quente e farinha de mandioca crua, fica quase transparente, como um fio de nylon;
[4] A época de defeso na ilha de Santa Catarina, começa entre a metade e o final do mês de maio. Os Manés que entendem do vento e do mar dizem que é preciso fazer frio pras tainhas chegarem à ilha;
[5] Arca caída é uma dor na boca do estômago que acomete as crianças pequenas, pode ser curado com uma oração de benzedeira;
[6] Vento vindo do leste.
[7] Bandeira do Divino Espírito Santo, vermelha com uma pomba branca ao centro.
[8] A procissão do Senhor dos Passos relembra o calvário de Jesus. Acontece a 247 anos, na Praça XV, antes da Páscoa.
[9] Os Manés passaram muitos anos sem times que representassem Florianópolis nos campeonatos nacionais. Torcer pra outros times catarinenses ou gaúchos era  mesmo que se “render” aos rivais. Por isso todo Mané torce, também, para um time do Rio.
[10] O boi de mamão está presente em todas as escolas e a sua apresentação nas festas Juninas e do Divino é obrigatória. As crianças amam o boi que morre e “revive” pelas mãos da benzedeira – o médico não consegue curá-lo – têm muito medo da Bernunça que – inspirada no Dragão Chinês – “come” parte da platéia e todo mundo quer pegar a mão ou a saia da Maricota – inspirada nas moças alemãs muita mais altas que as açorianas. A música da cabra, que vem depois do boi, é fácil de aprender e todo mundo canta.
[11] Eu não dei;
[12] Virar à esquerda;
[13] Diz-se quando a pessoa realizou um feito incrível;
[14] Pessoa que não presta.

Um comentário:

Sergio Nativo disse...

Amei o post. É realmente um espanto! Tem gente que mora aqui e nem nota o quanto é bom viver em nossa Desterro. Arrombassi, oh istepô!